Mensagem do Soberano Grande Comendador


(…) Os códigos de conduta (…) pretendem, em geral, atenuar os riscos que os indivíduos e os grupos sociais enfrentam, tendo resultado na redução do sofrimento e na promoção do bem-estar humano. Fortaleceram a coesão social (…) e para além do facto de terem sido concebidos por seres humanos, o Código de Hamurabi, os Dez Mandamentos, a Constituição dos Estados Unidos da América e a Carta das Nações Unidas foram moldados pela especificidade das circunstâncias do seu momento na História e pelos seres humanos que desenvolveram tais códigos. Não existe uma fórmula universal e abrangente, embora partes de todas as fórmulas sejam universais.

António Damásio, A estranha Ordem das Coisas¹

O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

Declaração Universal dos Direitos do Homem - Preâmbulo

O Rito Escocês Antigo e Aceite define a sua conduta pela férrea defesa da Liberdade, no âmbito dos princípios gerais que regem a Maçonaria Universal, tendo em conta a crença no G\A\D\U\ e a obediência às leis do país onde exerce a sua actividade.

Para cumprir este objectivo, o R\E\A\A\ considera fundamental o pleno exercício da Justiça, a prática do amor fraterno, o combate à ignorância e o cultivo da espiritualidade, de forma a atingir o supremo desiderato: a felicidade do Homem, entendida como um princípio natural, inato, anterior ao próprio homem, dando expressão ao pensamento já formulado por John Locke, em 1693, quando afirmava que a mais elevada perfeição da natureza intelectual consiste na busca cuidadosa e constante da felicidade verdadeira e completa (…) fundamento necessário da nossa liberdade²

Cremos que a praxis inerente ao cumprimento integral destes objectivos nos conduzirá ao pleno da tripla divisa que o Escocismo herdou da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Mas, quando o homem pensa estar prestes a alcançar o alvo dos seus ideais utópicos, constata sempre que o horizonte se alargou e a meta, com ele, se afastou, como tão bem nos recorda o poema do Ir\ Mário Quintana: Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!

Importa, pois, na actual conjuntura, identificar os principais obstáculos à aplicação generalizada dos princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade e definir a atitude que o Escocismo deve adoptar para prosseguir na sua defesa.

Destas inquietações se fez, já, eco a XIX Conferência Mundial de Supremos Conselhos, realizada em Lisboa, em Maio de 2015, e que nós assumimos como pontos centrais das preocupações do Escocismo e do Supremo Conselho para Portugal.

Destacamos, em primeiro lugar, o excessivo individualismo, resultante de um modelo de desenvolvimento cujo principal objectivo assenta na ideia de um «crescimento económico constante», impossível sem a sobre-exploração de alguns sectores sociais da humanidade e dos seus recursos naturais, com um progressivo desprezo pelos ecossistemas e pelos direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Este individualismo exacerbado tem vindo a provocar insidiosamente uma inversão dos valores herdeiros do modelo ético grego, pilar de toda a civilização ocidental, com reflexos em múltiplas manifestações do relacionamento humano.

À honra, à honestidade, ao respeito pelo outro e à solidariedade, passou a preferir-se, em muitos casos, um conceito de prestígio social assente na exibição de bens materiais e na projecção de uma efémera imagem pública pouco condicente com a realidade.

Este fenómeno, alimentado pelas novas tecnologias utilizadas pelas redes sociais, tem conduzido, por um lado, a um materialismo racionalista resultante do processo histórico que conduziu o capitalismo a uma globalização mundial da economia, sem qualquer tipo de controlo e estranha a todo o princípio moral e ético e, por outro, a manifestações de religiosidade dirigidas por especialistas em técnicas de manipulação de massas, na peugada dos ensinamentos de Noam Chomsky.

Desta evolução emergem os piores demónios que, desde sempre, presidiram às grandes tragédias humanas: o medo, especialmente o do desconhecido, e o ódio dele resultante que corrói a alma e tolda a inteligência.

Por eles se explicam a «pacífica» aceitação da forte limitação das liberdades individuais em favor de uma eventual garantia de segurança face a perigos difusos, o egoísmo nacionalista que ameaça algumas das comunidades supostamente mais desenvolvidas e o progressivo erguer de muros e barreiras ao invés do estabelecimento de pontes de diálogo, únicas vias que conduzam a um relacionamento fraterno entre distintas comunidades

Quando perdemos a Prudência para aceitar a temeridade de alguns aprendizes de feiticeiro com poder suficiente para gerar apoteoses apocalípticas?

Quando nos deixámos subjugar pelo modelo da petulância que, lentamente, se vem sobrepondo à Temperança?

Quando cedemos ao egoísmo que nos torna indiferentes em relação à injustiça social, à aplicação da lei do mais forte e às catástrofes ambientais resultantes da nossa insensibilidade ecológica, tornando-nos tanto mais fracos quanto mais fortes nos julgamos?

Tal como fiz no acto da minha tomada de posse, volto a interrogar-me:

«Pode o homem caminhar para o esplendor, buscar a luz que o ilumina por dentro e fazer brilhar o escuro, ensinando caminhos, atingindo os que lhe estão próximos, a sociedade que o rodeia e o mundo?

Pode o homem cultivar o seu ser espiritual, apreender e cuidar da sua centelha divina, reflectindo, conhecendo, ganhando uma nova consciência, transcendente, espiritual?»

A globalização a que nos referimos não permite soluções parcelares. Desse facto se fez eco o nosso Past Soberano Grande Comendador, Ir\ Agostinho Garcia, quendo, já em Maio de 2010, na XVIII Conferência Mundial de Supremos Conselhos, realizada em Toronto, afirmava: Os desafios são universais. A resposta só pode ser universal. Não há, por isso, espaço para divisões (…) numa cooperação estreita com todas as organizações que visem idênticos objectivos.

Neste sentido, reafirmamos que é «necessário que, norteados pelos ideais maçónicos de verdade, tolerância e nobreza de alma humana, os nossos trabalhos se orientem no aprofundamento de uma espiritualidade que nos proporcione o caminho da nossa realização numa perspectiva de Ser, por oposição a uma sociedade que, cada vez mais, parece privilegiar a competição e o Ter (…) sendo pilar de um ecumenismo e tolerância que contrariem os fundamentalismos religiosos e outros e (…) criando unidade em acções conducentes, não só à difusão mais eficaz dos ideais comuns que nos orientam, como também à prossecução de objectivos sociais em que todos nos empenhemos, ultrapassando assim limitações decorrentes da nossa multiplicidade e estreitando os fortes laços fraternais que sempre nos uniram.»

Termino lembrando os votos formulados na na XIX Conferência Mundial se Supremos Conselhos pelo Supremo Conselho para Portugal:

Que «o empenhamento do R\E\A\A\ neste processo corresponda à universalização do Templo, à intervenção da Ordem na sociedade, assente na Solidariedade maçónica edificada sobre a iluminação que irradia do Templo interior» e que a «Solidariedade seja a pedra angular que une todos os maçons do universo, independentemente das obediências em que se integre e a praxis que enforme os princípios da Liberdade, da Tolerância e da Fraternidade.

 

V\ de Lisboa, 15 de Abril de 2018 (e\v\)

 

Manuel Alves Almeida, 33º

Soberano Grande Comendador

 

1 - E. Círculo de Leitores, Lisboa: 2017, pp. 46-47;
2 - An Essay Concerning Human Understanding, II, XXI, 51